segunda-feira, 20 de julho de 2009

NÃO SE ESQUECER DE LEMBRAR


Ao longo de sua história recente a Universidade Federal de Minas Gerais tem assumido a obrigação à memória da repressão e da resistência política no Brasil como um valor que precisa estar enraizado na linguagem da vida pública nacional. Parceira da Comissão de Anistia e do Ministério da Justiça na construção e consolidação do Memorial da Anistia Política do Brasil, a UFMG se compromete com a iniciativa de organizar, preservar e divulgar a memória e o acervo histórico da repressão política no Brasil, desde 1946 até o fim da ditadura militar, em 1988. Três dimensões são exemplares do significado e da importância política do Memorial.

A primeira dimensão refere-se à natureza do acervo documental que o Memorial abriga. Existe um provérbio africano que diz o seguinte: “até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão glorificando o caçador”. Essa é a natureza e a singularidade do seu acervo: colocar, em primeiro plano, a figura da testemunha – e não da vítima. A testemunha está do lado das palavras e do passado: do lado daquilo que não se viu ou não se pode ver. O acervo do Memorial recolhe, registra, conserva e fixa essas vozes que se comprometeram e são portadoras de uma dívida a ser paga.

A segunda dimensão diz respeito ao conteúdo do acervo – a presença da memória construída a partir do vestígio; o Memorial é um espaço onde sobrevive um rastro do passado. Por ser guardião de rastros, sua tarefa é procurar manter juntas a presença do ausente e a ausência da presença.

A terceira dimensão diz respeito ao papel de permanência que o Memorial tem na esfera pública, seu papel de permanência no interior de uma cultura dominada pela fugacidade da imagem na tela e pela imaterialidade das comunicações. É a permanência do Memorial na cena pública – na rua, na praça, na passagem dos pedestres, num prédio projetado e construído com a participação do público, com debates acirrados e com forte engajamento memorialístico – que impede a fossilização monumental do projeto, sua transformação em máscara mortuária ou em espaço de estetização do terror.

Não há garantias. Apesar disso, é possível construir no Memorial algo muito próximo ao instrumento que Franz Kafka gostaria que a literatura fosse: ele dizia que um livro deve ser o machado para abrir o mar congelado dentro de nós. Precisamos do Memorial para evitar que o mar congele. Na memória congelada, o passado não é nada além de passado. A política da memória da resistência e da repressão no Brasil fala do passado, mas deve ser orientada na direção do futuro. O futuro não nos julgará pelo esquecimento, e sim pela rememoração ampla de tudo; e nos julgará também por não agirmos de acordo com essas memórias.

Ronaldo Pena - Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Heloisa Starling - Vice-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Nenhum comentário:

Postar um comentário