segunda-feira, 27 de julho de 2009

PEDIDA A EXONERAÇÃO DE CORREGEDOR


O corregedor José Armando Costa é acusado por entidades de direitos humanos.

(Entrevista publicada no Jornal O Povo, em 24 de julho de 2009)

A Associação 64/68 Anistia e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República querem que o corregedor geral dos Órgãos da Segurança Pública do Ceará, José Armando Costa, seja “exonerado” do cargo. O motivo alegado é a atuação de Armando como delegado da Polícia Federal no período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985).

Na última quarta-feira, 22, Mário Albuquerque, presidente da Associação 64/68, enviou documento ao Palácio Iracema sugerindo a “demissão” de José Armando Costa. Segundo o texto, o delegado aposentado é citado no projeto Brasil Nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo, que relaciona ações de agentes do Estado brasileiro que obtiveram informações de presos políticos por meio da tortura física ou psicológica.

José Armando Costa, que trabalhou na Polícia Federal (PF) de 1969 a 1992, não é acusado pelo ato direto da tortura, mas de ser conivente com sessões de espancamento contra pelo menos cinco ex-presos políticos cearenses. Caso do professor do Departamento de Engenharia da Universidade Federal do Ceará, Vicente Walmick Vieira. Ao O POVO, ele disse que era constantemente pressionado pelo delegado. “Ele (Costa) ameaçava de me devolver para o local onde acontecia a tortura, caso não falasse”.

Walmick Vieira foi preso em 1973, aos 31 anos, após se apresentar à PF. Ele, integrante do clandestino PCdoB, era acusado de subversão. Da delegacia, foi levado para um quartel da Marinha, em Fortaleza, e daqui para uma unidade do Exército no município de Maranguape. Foram 11 meses de prisão, “pau-de-arara, choque elétrico e todo tipo de tortura”, conta Walmick, que hoje tem 66 anos.

Para fundamentar o pedido de exoneração, Mário Albuquerque apresenta também um endereço virtual (http://issuu.com/fac.unb /docs/336) da edição de maio deste ano do jornal Campus, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). A publicação faz referência ao depoimento, em 1973, dos ex-presos políticos Lavoisier Alves Cavalcante, Vicente Walmick Vieira, Geraldo Magela Guedes, José Auri Pinheiro e Ricardo Esmeraldo. Todos denunciaram à Justiça que foram torturados e, depois, levados à presença de José Armando Costa para interrogatório.

Procurado pelo O POVO, Geraldo Magela afirmou que esse capítulo da vida dele estava encerrado. Em depoimento à Justiça Militar, ele contou que não via diferença entre os policiais que o torturavam e o delegado José Armando que o ameaçava durante o interrogatório.

Perly Cipriano, subsecretário de Direitos Humanos da Presidência da República, alerta que “não é justo manter em cargos públicos pessoas que violaram os direitos humanos durante o período da Ditadura”. Para ele, não se trata de revanchismo e sim uma “questão de justiça para quem lutou pela redemocratização do País”.

O POVO apurou que integrantes da cúpula do Palácio Iracema e da SSPDS consideram “insustentável” a permanência de Armando Costa no cargo de corregedor. José Armando, a exemplo de outros agentes do governo militar e presos políticos, foi beneficiado pela Lei da Anistia, de 1979, promulgada pelo então presidente da República João Baptista Figueiredo.

“E uma orquestração”

O corregedor José Armando Costa acusou O POVO de fazer “orquestração” contra ele. Disse que está anistiado. “Vamos admitir que eu torturei. Se meu único erro foi esse e de lá pra cá os meus detratores não encontram mais nenhum motivo pra me execrar, então respeite que este homem tem muita dignidade”, afirmou.

O POVO - O que o senhor tem a dizer sobre a citação de seu nome no projeto Brasil Nunca Mais?
Armando Costa - Essa questão, episodicamente, sempre está vindo. Se disser que é verdade ou mentira, vai ser só minha palavra. Não sou imbecil de entrar nessa seara. A única coisa que posso tangenciar é o aspecto da falta de lógica da coisa. Você está gravando? Pois grave. Esse fato aconteceu há 36 anos. E foi levado por um advogado. A Justiça ouviu, o Ministério Público ouviu, o advogado orientou seu cliente pra fazer isso. Isso é muito comum, tanto preso político como preso comum. Para negar o que eles afirmaram - alegam que foram torturados - isso é comum, tem jurisprudência. Inclusive meus detratores afirmam que eu não torturava. Que eu era omisso, consentia. Chegaram a dizer que o meu consentimento foi maior do que o de torturar. Se o meu pseudoconsentimento é mais criminoso do que a própria tortura, então muito mais criminoso é o juiz, é o promotor, é o advogado que consentiu o meu consentimento. Se você está interessado na verdade, é fácil investigar. Quem era o juiz? Vocês não estão achando que é importante a autoridade policial, então procurem o juiz.

OP - Quem era o juiz?
Costa - Ah, não vou dizer quem era, quem não era. Vocês são jornalistas. Ou a alegativa era totalmente inconsistente, que não convenceu sequer a minha responsabilização, ou vocês estão dizendo que o advogado dos acusados, o Ministério Público e o juiz são mais criminosos do que eu. Por que o raciocínio dos meus detratores só vale contra mim. Estou anistiado. Pegue as pessoas que me acusaram e vamos para um debate. E você já entrevistou a vítima?

OP - Sim. Entrevistamos.
Costa - Fui superintendente da PF em Brasília. Teve essa motivação e fui o que mais durou. Levaram para o ministro, ele mandou examinar, mandou ouvir minha história, que é completamente diferente. Você acha que um torturador de polícia só tortura num caso superisolado? Será que essa personalidade teria se exaurido numa simples tortura ou teria feito outras coisas? Os meus detratores, eu sei quem são, mas não vou dizer. Sei de onde parte isso. Se os detratores vão buscar um fato de 1972, vocês estão dizendo que sou um cara muito honrado. Não encontram nada contra mim. Coloque isso. Isso aí é perseguição. Não sou apegado a cargo. Vim para essa Corregedoria, aliás, fazer um grande favor. Nem queria. Nem preciso disso. Estou sentindo que tem uma orquestração formada dentro do O POVO. Não vamos perguntar se eu fui ou não fui, que não vai adiantar. Por que não vai atrás de responsabilizar o papa porque consentiu o holocausto? Não preciso nem de defesa porque ainda que se admita que esse fato seja verdadeiro, ele já foi alcançado pela Anistia e pela prescrição. Vamos admitir que torturei. Se meu único erro foi esse e de lá pra cá os meus detratores não encontram mais nenhum motivo pra me execrar, então respeite que este homem tem muita dignidade, concorda?

OP - Corregedor, o pedido ao governo está sendo formalizado por entidades. Não é pelo jornal.
Costa - Você tem que perguntar ao governo. Não compete a mim.

OP - Nós perguntamos.
Costa - Então pronto. Logicamente que a verdade contra mim foi feita 36 anos atrás. Localize as pessoas que me acusaram.

OP - O secretário Nival Freire nos disse que vai procurar o senhor amanhã (hoje).
Costa - Sou um homem tão independente. Meus coturnos morais são muito elevados. Não sou conhecido só nessa província. Vá olhar minha história. Essa mesma história levaram para o ministro. Não tem consistência, não. Mas é possível que aqui no tupiniquim tenha. Vamos para um jornalismo mais próspero. Vá atrás de coisas que tenham consistência. Eu me envergonho de ter que enfrentar questiúnculas como essas. Pensei que o Ceará tivesse deixado de ser província há mais tempo. Publique tudo isso aí.

Demitri Túlio e Cláudio Ribeiro
da Redação

quinta-feira, 23 de julho de 2009

MEMORIAL NO CEARÁ


O Ceará figura entre os cinco primeiros estados brasileiros a receber o projeto Pontos de Memória, espécie de versão estadual do Memorial da Anistia Política recentemente lançado pelo Ministério da Justiça (MJ), sediado em Belo Horizonte. O pontapé inicial do projeto foi dado no dia 30 de abril último, em reunião no MJ, sob a coordenação de seu grande incentivador, o Dr. Paulo Abrão, o presidente da Comissão de Anistia que implementou uma nova e eficiente dinâmica
aos seus trabalhos.

Num reconhecimento ao trabalho que vimos desenvolvendo na construção e publicização da memória da luta contra a ditadura e pela anistia em nosso estado, a Associação 64 / 68 – Anistia foi escolhida como a entidade parceira executora desse importante projeto.

Com efeito, desde o nosso surgimento, primeiro como Movimento Anistia 20 Anos (1999), depois como entidade juridicamente constituída (2000), nossa associação tem atuado fortemente na construção e divulgação dessa memória, franqueando gratuitamente à mídia, aos professores e pesquisadores de um modo geral, o acesso ao nosso rico e vasto acervo. Com isso, temos cumprido o nosso objetivo de desconcentrar o foco da memória desse período no eixo Rio-São Paulo, e servir de incentivo a que outros estados façam o mesmo.

Agora, com o importante apoio técnico e financeiro do Ministério da Justiça/Pronasci, nossa atividade memorialística ganha um novo impulso e formato, incidindo diretamente na melhoria do atendimento e acesso a pessoas e instituições interessadas no assunto. Fundamentais para o nosso êxito têm sido o apoio e o incentivo dos nossos associados, muitos dos quais não anistiados, pois basicamente tem sido com suas contribuições financeiras que a entidade se tem mantido (exceção feita à Prefeitura de Fortaleza/Secultfor e Laboratório de Pesquisa em Tradições Jurídicas e Racionalidade Penal da Universidade de Ottawa-Canadá, sob a direção do professor Álvaro Pires) .

Fundamentais também tem sido a parceria nos variados eventos que temos promovido, de entidades e instituições públicas do Estado, como a Assembleia Legislativa, Câmara Municipal de Fortaleza, Prefeitura Municipal de Fortaleza , Governo do Estado (ex-Soma, Seduc, Sejus, Secult), UFC, Uece, UVA , Unifor, sindicatos e associações de bairro e culturais (destaque especial ao Instituto dos Arquitetos do Brasil – Seção Ceará, que nos abriga em sua sede) e de parlamentares de diversos partidos. Inestimável também o papel da mídia local, principalmente de seus profissionais repórteres e jornalistas.

O nosso agradecimento a todos e o desejo de continuar fortalecendo nossas parcerias em prol do fortalecimento da memória histórica do nosso povo com o elevado propósito de contribuir para que tempos tão ásperos e tenebrosos não voltem a se abater sobre o nosso querido Brasil.

Mário Albuquerque, presidente da Associação.

COMISSÃO ESPECIAL DE ANISTIA REPARA FAMÍLIA DE BÉRGSON GURJÃO


( texto publicado no Portal Vermelho, no dia 21 de maio de 2009)



A Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou aprovou por unanimidade o pedido de reparação solicitado pela a família do ex-guerrilheiro Bérgson Gurjão Farias. O julgamento que aconteceu na manhã desta quinta-feira (21), no auditório da Reitoria da Universidade Federal do Ceará, foi histórico. Desde 2003, quando foi instaurada a comissão, esta foi a primeira sessão onde o julgamento foi realizado fora dos âmbitos da comissão.

Colegas da Universidade, amigos, parlamentares, familiares, comunidade acadêmica. Muitas pessoas estiveram presentes para participar do julgamento público que atendia ao pedido de indenização da família de Bérgson Gurjão de Farias, ex-guerrilheiro cearense morto em combate durante a Guerrilha do Araguaia. O clima que predominava no Auditório da Reitoria da UFC, Universidade em que o cearense estudava, era de emoção e reconhecimento.

Para Mário Albuquerque, presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, realizar o julgamento de Bérgson dentro da Universidade teve um fator simbólico. “Sabemos que este processo tem um diferencial. Bérgson era muito querido e foi um herói por acreditar e lutar por dias melhores. Esta é uma forma de nos solidarizar com a família”, destacou.

Representante do reitor da UFC, Clarice Ferreira Gomes comentou que a Universidade se sentia honrada por sediar momento tão histórico e de reconhecimento. “Nós reconhecemos a importância de Bérgson dentro do movimento político e estudantil, não só a nível local mas também a nível nacional. Nossa residência universitária feminina recebeu o nome de Bérgson como forma simples de render-lhe justa homenagem”, ratificou.

Contemporâneo de Bérgson, o presidente estadual do PCdoB/CE Carlos Augusto Diógenes, o Patinhas, fez um relato emocionado sobre os momentos de convivência entre os dois e do exemplo que Bérgson era para tantos estudantes naqueles anos de 1964/1968. “Conheci o Bérgson em 1965, entramos no PCdoB na mesma época. No movimento estudantil, vivíamos próximos mas sempre percebia que o Bérgson se destacava tanto pelo porte físico quanto pela forma acessível como se relacionava com todos”, destacou. Com a Ditadura, confirmou Patinhas, os principais líderes estudantis cearenses foram obrigados a sair do Estado. “Desde então nunca mais tive contato com Bérgson. Anos depois soube que ele foi um dos primeiros guerrilheiros a tombar no Araguaia. Eu e minha companheira Noélia fizemos questão de render nossa homenagem ao amigo tão querido e inesquecível”.

Patinhas ressaltou a importância de o julgamento ter acontecido dentro da Universidade. “Considero esta uma reparação simbólica que o aparelho do Ceará cometeu contra os estudantes, em especial contra o Bérgson. Ele amava esta Universidade. Foi aqui nesta avenida que o camarada construiu sua vida dentro do movimento estudantil. Eram nesses quarteirões que aconteciam as articulações políticas daquela época. A vida de Bérgson passava por aqui”, confirmou o dirigente comunista que ressaltou que aquele momento configurava um ato vivo pela democracia que Bérgson tanto lutou. Patinhas finalizou lendo uma mensagem do presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, que se solidarizou com a família do ex-guerrilheiro e parabenizou o trabalho da Comissão na tentativa de reparar os danos contra presos políticos. “Saudamos dona Luiza Gurjão Farias, que, em sua lúcida e respeitável trajetória de 94 anos, esteve maternalmente ao lado de Bérgson e do povo brasileiro em sua saga pela edificação de uma civilização cada vez melhor, mais justa e mais humana. Saudamos, também, Tânia, Ielnia, Gessiner – irmãs e irmão de Bérgson Gurjão. Bérgson tombou de cabeça erguida contra o arbítrio, em combate, nas selvas do Araguaia, honrando sua determinação de descerrar vitoriosamente o manto das trevas que se deitava sobre o Brasil”, disse Renato Rabelo.

A comissão aprovou por unanimidade o parecer do relator do processo de Bérgson Gurjão, Urico Gadelha, representante do Conselho Regional de Medicina na Comissão. Gadelha requereu o valor máximo da indenização, 30 mil reais. “Este valor é irrisório frente a tanto sofrimento encarado pela família. Seria impossível quantificá-lo. Esta é apenas uma forma de reconhecimento e um pedido público e formal de desculpas que o Estado faz”, destacou Mário Albuquerque, presidente da comissão especial. O deputado Lula Morais, Conselheiro da Comissão como representante da Assembléia Legislativa, referiu-se a Bérgson como “um jovem que dedicou sua consciência a luta pela liberdade”.

Homenagem dos companheiros

Momentos de muita emoção aconteceram quando ex-companheiros de Bérgson lembraram a sua trajetória. A Profª Helena Lutéscia, do Departamento de Farmácia da UFC, destacou o compromisso dele com a UFC. Segundo ela, fazia parte da ética dos líderes estudantis daquela época “serem muito bons alunos”. A ex-prefeita Maria Luiza Fontenele, disse que a UFC, “ao abrigar o julgamento, estava resgatando uma dívida com Bérgson e outros que tombaram na Ditadura”.

O professor e sociólogo Pedro Albuquerque destacou que além das homenagens a Gurjão é preciso dar prosseguimento à luta pela identificação dos corpos das vítimas do regime militar. Para o jornalista Messias Pontes, Bérgson foi “um dos maiores heróis do povo brasileiro, em defesa da Pátria, da liberdade e dos companheiros. Deve servir de espelho à juventude”. Ao receber o carinho dos colegas da época do movimento estudantil, Tânia Gurjão de Farias, irmã de Bérgson, agradeceu emocionada e reforçou. “Apesar de não conhecer muitos de vocês, todos fazem parte da minha família”.

A Comissão Especial também julgou e aprovou por unanimidade o processo de Paulo Emílio Andrade de Aguiar, ex-estudante de Direito e contemporâneo de Bergson, que ao falar relembrou também seu convívio com o líder estudantil comunista.

Sobre a Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou

A comissão, que foi instituída em 2003 no Governo Lúcio Alcântara, tinha a função de analisar os requerimentos de indenizações de pessoas que foram perseguidas durante a Ditadura Militar. Os conselheiros que participam da comissão exercem função voluntária, não remunerada.

Íntegra da mensagem de Renato Rabelo (Presidente Nacional do PCdoB)

Aos membros da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou:

Em nome do Partido Comunista do Brasil manifesto a nossa satisfação pelo excelente trabalho que esta Comissão de Anistia vem realizando, visando fazer justiça com aqueles que contribuíram para a reconquista da democracia em nosso País. O julgamento de hoje se inscreve, pelo seu simbolismo, entre as ocasiões históricas nas quais ocorre o reconhecimento dos heróis do povo brasileiro.

Sabemos que a força e a energia da sua generosidade e do seu espontâneo e despojado sacrifício, faz de Bérgson Gurjão Farias e de toda uma legião de homens que se sacrificaram na luta contra a ditadura, os efetivos construtores da democracia que alcançamos. O PCdoB se curva ao seu exemplo de patriotismo e confiança em nosso povo, na condição de seus melhores e mais valorosos filhos.

E tudo começa e tem sua reta de chegada justamente neste cenário em que estamos, no campus da Universidade Federal do Ceará, de onde Bérgson empreendeu seus primeiros passos na política; de onde, projetando-se da sua condição de estimada liderança estudantil, e impedido de viver nas cidades, deu um salto para se tornar um querido guerrilheiro do Araguaia.

É aqui, no auditório da Reitoria da Universidade Federal do Ceará, que a Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou julga o pedido de indenização para a família do destacado estudante e combatente Bérgson Gurjão de Farias.

É também aqui que reiteramos nossa disposição, de compartilhar solidariamente dos esforços voltados para a identificação dos seus restos mortais a partir dos indícios que podem localizá-lo, seja onde for, para que possam ser dignamente enterrados.

Saudamos dona Luiza Gurjão de Farias, que, em sua lúcida e respeitável trajetória de 94 anos, esteve maternalmente ao lado de Bérgson e do povo brasileiro em sua saga pela edificação de uma civilização cada vez melhor, mais justa e mais humana. Saudamos, também, Tânia, Ielnia, Gessiner – irmãs e irmão de Bérgson Gurjão.

Bérgson tombou de cabeça erguida contra o arbítrio, em combate, nas selvas do Araguaia, honrando sua determinação de descerrar vitoriosamente o manto das trevas que se deitava sobre o Brasil.

É a nossa mensagem a esta sessão histórica da Comissão de Anistia Wanda Sidou.

São Paulo, 21 de maio de 2009

Renato Rabelo
Presidente do Partido Comunista do Brasil.


Mais sobre Bérgson Gurjão

Bérgson era estudante de Química na Universidade Federal do Ceará (UFC), vice-presidente do DCE eleito em 1968. Foi preso no Congresso da UNE em Ibiúna e, em 1968, excluído da universidade com base no Decreto-lei 477.

Em 1968, no Ceará, foi gravemente ferido na cabeça quando participava de manifestação estudantil na Praça José de Alencar. Em 1969, foi residir na região de Caianos, onde continuou suas atividades políticas. Em 08 de maio de 1972, foi ferido e morto em combate nas selvas do Araguaia.

Na Secretaria Especial de Direitos Humanos, em Brasília, existem restos mortais de possíveis guerrilheiros do Araguaia, havendo indícios de um deles ser do cearense Bérgson Gurjão.

De Fortaleza,
Carolina Campos (com informações da UFC).

RADICALMENTE HUMANO


(Entrevista publicada nas Páginas Azuis do Jornal O Povo, no dia 3 de abril de 2006)

Há 40 anos, o advogado Antônio de Pádua Barroso atuava como defensor do primeiro civil levado a julgamento pelo regime militar no Ceará. A Ditadura dava seus primeiros passos e uma paranóia perseguitória tomava conta do cotidiano dos brasileiros.


A acusação de ter trazido um boné de Cuba para Fortaleza levou o ferroviário João Farias de Sousa ao banco dos réus durante os primeiros anos da Ditadura Militar instaurada no Brasil. Depois de julgado, o velho comunista da estrada de ferro foi condenado a 10 anos de prisão. O caso foi parar no Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, e a decisão foi revogada. Há 40 anos, o advogado Pádua Barroso conseguia a absolvição do primeiro civil processado pelo regime militar no Ceará.

Depois disso, Barroso passaria de simples criminalista a personagem efetivo da Ditadura Militar em Fortaleza. Estava na outra margem do rio e nadava contra a corrente. Ele e a advogada Wanda Rita Sidou. Dupla que defendeu, de graça, mais de 100 perseguidos do aparelho de repressão política instaurado em 1964. Entre arroubos quixotescos, convicções e prática radicalmente humanas, o advogado dos subversivos fiou parte da história dos anos de chumbo.

Arredio a holofotes, o discreto Pádua Barroso não freqüenta colunas sociais e nunca fez de seu respeitado currículo bucha para marketing pessoal. Aos 77 anos (faz aniversário no próximo dia 8), mantém-se fiel ao Centro da cidade onde possui um charmoso escritório no Palácio do Progresso. Típico dos anos setenta. Com direito a ''bureau", estante embutida na madeira escura, espinhaços de livros enfileirados e um Dom Quixote de ferro a empreitar as palestras. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

O que levou o senhor a defender os perseguidos pela Ditadura Militar iniciada em março de 1964 no Brasil?
Minha advocacia sempre foi criminal. Por isso fui procurado para esses casos que existiam na Justiça Militar. A Lei de Segurança Nacional é um diploma legal criminal. Fui procurado, fiz a primeira defesa e outros foram aparecendo.

Qual foi o primeiro caso?
Foi de João Farias de Sousa. O primeiro civil julgado aqui. Todos o conheciam por Caboclinho e ele era aposentado da estrada de ferro.

Isso foi em 1964?
Foi depois. Não havia Auditoria Militar no Ceará, era em Recife. Depois foi instalada a auditoria daqui e ninguém mais foi julgado em Pernambuco. Alguns casos começaram lá, como de alguns políticos que tiveram o mandato cassado. Aníbal Bonavides e Blanchard Girão, por exemplo. Desses, fizeram o inquérito policial militar aqui e mandaram para Recife. Depois retornaram os processos, mas o primeiro julgamento que aconteceu foi o de João Farias de Sousa.

Ele era acusado de quê?
As acusações eram fictícias, exageradas. Não havia nada, essa que era a verdade. Não havia nada que configurasse crime político. Primeiro que os crimes políticos teriam ocorrido durante o regime democrático que foi derrubado. Acusação de que era comunista, que esteve em Cuba, que João Farias de Sousa trouxe um boné de Cuba. Ele era aposentado e atuava na estrada de ferro daqui e de Camocim. Um comunista histórico, já velho. Foi condenado a 10 anos de prisão. E lhes digo: o auditor militar é juiz togado. É um juiz técnico na composição do Conselho Militar. Doutor Arnaldo Carnachiale, que era do Paraná, saiu do julgamento chorando. Porque, como relator, não conseguiu convencer os juízes militares da acusação a João Farias. Ele foi vencido por quatro votos contra um dele. Eu apelei no dia 18 de abril de 1966 e ele foi absolvido em 1º de agosto de 1966 pelo Superior Tribunal Militar(STM). Só teve um voto contra.

Como eram os debates durante o julgamento, já que as acusações eram descabidas, como trazer um boné de Cuba?
Essa história no caso dele, do João Farias. Mas os outros também eram acusados de pequenas coisas, como se reunir. Isso foi no começo. Porém, depois que a repressão se firmou, se intensificou, aí houve outra reação. Entrou gente nova acusada. Os velhos, os que eram conhecidos, os intelectuais, eram acusados sem ter nada demais. Depois foi que surgiram as facções e surgiram para fazer reação à repressão. O caldo entornou. Se acirrava de um lado eles respondiam do outro. Chegaram até a violência, mas isso foi depois, muito depois. No começo não tinha nada de mais. É tanto que esses que foram julgados inicialmente, chamados de esquerdistas, subversivos ou comunistas, não me consta que nenhum tenha passado muito tempo na cadeia. Tiveram prisão relaxada e foram absolvido. Depois foi que se acirrou.

O senhor data essa aparente calmaria de 1964 até...
Não era calmaria. A repressão praticava absurdos como invasão a domicílio e prisões arbitrárias. No começo não havia violência física e tortura, ainda valia o habeas corpus. Pois bem, depois, a medida que a repressão aumentou, surgiram as organizações inspiradas no Sul e Sudeste. Surgiu gente nova, estudantes. Uma vez, durante um julgamento, eu disse que os estudantes eram os sempre antecipados gansos da juventude. Eles são os primeiros que alarmam, que reagem. Entrou a massa estudantil e passou a complicar.

E a ter dificuldade também para defendê-los?
Claro. No caso do julgamento do João Farias, um comunista velho, histórico, eles levaram em consideração que se tratava de uma pessoa inofensiva. É tanto que o relator do processo dele, no STM, ministro Alcides Carneiro, disse que a 'um homem, já se aproximando do fim, impunha-se uma condenação inaceitável...´. Era por aí, 10 anos de reclusão! Então era vago no começo, depois engrossou.

Ele pegou 10 anos, mas não foi preso?
Não, ele foi preso. Esperou a apelação preso. Não me lembro quanto tempo foi, mas ficou na Casa de Detenção - onde depois funcionou a Emcetur.

Em quantos casos de perseguidos políticos o senhor atuou?
Não me lembro, não tenho idéia (segundo arquivos da Auditoria Militar, mais de 100 presos). Fazíamos sempre a defesa em bloco. Por exemplo, esse processo (mostra aos repórteres) foi no ano de 1977. Eram trinta e tanto acusados. O julgamento começou às 8 horas da manhã e terminou no dia seguinte. Fazíamos a defesa em bloco. Digamos: quatro eram meus, seis da doutora Wanda Sidou.

Qual foi o caso mais complicado que o senhor pegou?
Todos foram complicados, mas os mais complexos foram os da ALN (Aliança Libertadora Nacional). No de São Benedito estávamos eu, a doutora Wanda (Sidou), e o Evaldo Pontes que defendeu o José Bento. E creio que o Jurandir Porto funcionou também como advogado, ele era defensor público da Auditoria Militar. Mas eu e a Wanda, lembro bem, defendemos o Valdemar Menezes, Willam Montenegro, Antonio Esperidião Neto, que veio de Alagoas como o Valdemar e o Thimochenko. O Thimochenko fugiu, mas foi julgado. Também tinha o José Sales. Esse foi difícil. Os da ALN sempre eram complicados porque envolvia assalto a ônibus, banco... E nessa época a situação já estava pesada. Era o tempo do governo Médici (general Emílio Garastazu), foi terrível. Passou a abrandar com o governo Geisel (general Ernesto). Ele destituiu alguns comandantes militares e já manifestava que vinha preparando a chamada abertura.

Sobre o assalto ao Banco do Brasil de Maranguape, todos foram absolvidos porque não se chegou a conclusão nenhuma. Hoje se sabe que foi o PCBr e não a ALN. O senhor trabalhou nesse caso?
Funcionei também, éramos eu e a Wanda. Mas não sei desse detalhe.

Vocês sofreram algum tipo de intimidação?
Não. Nunca sofri ameaças, eu encontrava dificuldades (risos). Dificuldade para obter informações das pessoas que desapareciam seqüestradas na rua, nos ônibus. Tenho cópias de petição dirigida ao comando da 10ª Região Militar (10ª RM), à Secretaria de Polícia, ao auditor militar, indagando se fulano se encontrava preso. Se davam alguma notícia. Quando apareciam já tinham sido extorquidas as declarações que eles queriam. Extorquidas e criadas, como eles ditavam. Interessante é que eles botavam testemunhas nesses depoimentos e todas eram policiais. Eu nunca assisti e nem a doutora Wanda declarações de insuspeitos na Polícia Federal ou qualquer outro órgão da repressão.

Havia uma neurose e todo mundo que "vestisse vermelho" era comunista. O Exército e a Polícia Federal não consideravam o senhor e dona Wanda Sidou comunistas?
Não sei, nunca me disseram. Mas que nós éramos rastreados, éramos. Nós sentíamos isso, nos acompanhavam, tudo para nos surpreender com alguma coisa. Agora, eu não me impressionava não. Com a doutora era mais ostensivo e ela via. Eu sentia que era acompanhado e ela via. Eles a tinham na conta de comunista, eu nunca tive envolvimento político. Agora, no contato diário com eles, se quebravam algumas barreiras. Para vocês verem, picharam ali pela alfândega e havia um filho de um coronel do Exército no meio (risos). Estavam todos na Polícia Federal e eu fui lá para pedir soltura. O superintendente perguntou brincando: 'o que você quer, só vive me aperreando´. Ele se dava comigo, era um amigo urso. Então eu disse que queria que ele mandasse soltar os rapazes. Aí ele disse 'rapaz, você vai terminar preso´. Eu respondi: 'olhe, vocês podem me matar ou prender. Se me matar, morri. Se for preso, um dia serei solto e haverá uma confusão enorme no Brasil porque a OAB não vai deixara passar pois sou conselheiro de lá. Mesmo que não fosse, ela faria. E fiquem sabendo, participado para todo e sempre, você deixe dessas brincadeiras porque eu não tenho medo do Exército, da Marinha, da Polícia...´. Aí disseram que estavam brincando.

E a doutora Wanda...
Já faz bem oito ou dez 10 que ela morreu e até agora hoje, não encontraram uma rua para colocar o nome dela. A Câmara Municipal aprovou. A Wanda era uma mulher extraordinária, culta, inteligente, corajosa e despojada. Era uma beleza de inteligência. A Wanda sacrificou tudo. Eu também, mas ela era ostensiva. O julgamento do processo do PCB, não sei qual foi o ano, em 1977 talvez. Havia um velho, comunista histórico do Brasil, José Duarte. Ele tinha participado da Intentona, esse processo foi julgado no dia 27 de novembro - o dia da Intentona. Combinava com a Wanda que eu falava em último lugar, era para abrandar, adoçar um pouco. Porque ela dizia na cara, enfrentava. Ela deixou o José Duarte para o fim, falou da coincidência do dia da Intentona e uma das acusações contra o velho era de ter participado do movimento. Aí, ela defendeu o velho e no fim gritou 'viva a Intentona!´. Por aí você tira. O Ministério Público ofereceu denúncia contra ela e o auditor recusou. O Ministério Público recorreu e o STM confirmou a decisão do auditor.

O senhor tinha muito problema na Auditoria Militar?
A Justiça Militar aqui no Ceará foi, de certo modo, razoável. Foi dura, mas razoável. A repressão política é que era pesada. Dois auditores merecem ser destacados, o doutor Ângelo Rattacaso Júnior e doutor Ramiro. O Ângelo fazia o que podia, procurava contornar as situações. O Ramiro era mais ostensivo, mas passou pouco tempo aqui e o transferiram para a Bahia. Depois o aposentaram compulsoriamente (risos). Mas havia auditores terríveis. Fiz três representações contra um comandante militar daqui, o coronel Saraíba. Eu fui visitar o pessoal do caso de São Benedito que estava preso no 23º Batalhão de Caçadores (23º BC). Num sábado, à tarde, cheguei lá e reclamaram que haviam servido almoço com carne salgada e não serviram água. O sargento disse que não havia dado a água porque era ordem superior. Então eu vi o subcomandante José Bezerra de Arruda, à paisana, colhendo uns cajus. Como eu me dava com ele, me perguntou o que estava acontecendo e eu falei. Ele disse que 'isso aí, não´. Podia dar água por conta dele. Na segunda-feira entrei com uma representação contra o comandante e nada. Fiz a segunda representação, nada. Aí escrevi a terceira representação e fui à Auditoria. O auditor (Alzir Carvalhais) disse que havia despachado as duas anteriores para o comando da 10ª RM, mas eu disse que não havia recebido resposta. O auditor recomendou que eu não desse entrada na terceira representação porque não queria confusão na Auditoria dele. Refutei dizendo que nunca criei confusão em juízo algum, mas eu nunca tinha me resignado com pusilanimidade de juiz. Aí ele disse que o comandante (general Jansen Barroso) havia dito que se eu entrasse com a terceira representação, mandaria me prender. Mandei carimbar a 2ª via e disse: 'está aqui Alzir. Agora, eu espero que mandem me prender. Eles lá, da 2ª Seção (serviço secreto do Exército), sabem onde eu moro, onde eu piso, sabem que todo dia 10 estou aqui. Então, vou esperar minha prisão´.

O senhor foi preso?
Não. Fui a uma audiência no fórum (Clóvis Beviláqua) e me encontrei com a Wanda Rita (Sidou) e ela me convidou para conversar na rua (Centro). Recusei, dizendo que ia para o quartel general e contei a história. Ela, com medo que me prendessem, disse que ia comigo. 'Wanda, ninguém me prende´. Mas fomos juntos. Chegando lá, fomos atendido pelo coronel Paulo Studart, um sujeito descente. Ele disse que infelizmente o general não podia me atender, porque estava numa reunião. Pediu que eu ligasse no dia seguinte. Quando retornei o telefonema, o Studart disse que o general foi contactado e mandou eu aguardar. Isso foi perto do Carnaval (risos). Passado o Carnaval, segunda-feira de manhã, fui para o 23º BC visitar os rapazes. Quando cheguei lá, o Arrudinha (subcomandante do 23º BC) disse que não havia mais preso político no batalhão. Ordem do general depois que aconteceu o episódio da proibição da água. Ele disse que não queria mais preso político em quartel do Exército. Foram transferidos, em comboio, para o então recém inaugurado IPPS (Instituto Penal Paulo Sarasate).

Lá houve uma greve de fome dos presos políticos...
Os presos políticos tiveram um problema com o coronel Chico Bento (da Polícia Militar), diretor do IPPS, e fizeram uma greve de fome. Foram vários dias e temíamos pela saúde dele. Eu redigi um grande texto e assinei com a Wanda, destinado ao presidente Ernesto Geisel, ao ministro da Justiça - não sei se era o Armando Falcão, e ao presidente do STM. Falamos da insensibilidade por parte das autoridades locais em resolver o impasse e em respeito à humanidade, botei pra lascar, pra ser preso. Poucos dias depois, um coronel do Exército daqui foi ao IPPS e resolveu o problema a mando de Brasília.

Como se conseguia provar que os presos haviam sido torturados se o Instituto Médico Legal (IML) era controlado pelo aparelho de segurança?
Tem o caso do Fabiane Cunha. Ele tinha, se me lembro, sete processos. Torturam o Fabiane e o deixaram no quartel da Polícia Militar na Praça José Bonifácio (atual 5º Batalhão Policial Militar). A tortura aconteceu pouco antes da instrução de um processo. Aí, o Fabiane me mostrou equimoses nas pernas, coxas, lesões no pulsos decorrentes de pau-de-arara. Eu não sei porque, marcaram a audiência tendo acontecido naqueles dias a tortura. Acho que houve uma desarticulação entre os torturadores e a Auditoria Militar. Cada vez que descobriam coisas novas contra o preso, o levavam para abrir o inquérito e uma nova sessão de tortura era desencadeada. Orientei o Fabiane para ir com um calção de praia ao invés de cueca e na hora que tivesse terminando o interrogatório dissesse que havia sido torturado. Eu iria bater na mesa, como sinal, e ele deveria tirar a roupa, arrear as calças. Assim foi feito. O auditor era um canalha, eu queria que constasse no depoimento tudo que foi mostrado lá pelo preso e o auditor recusou. 'Absolutamente, não faço constar isso´. Então, por uma questão de ordem pedi a palavra para fazer um protesto (risos). Protesto não pode ser indeferido e aí ele teve de narrar na ata da audiência todos os detalhes. O IML não relatava isso.

A maioria dos laudos eram evasivos...
Tá aqui (folheia um processo), Edilson Peixoto Pinheiro! Esse rapaz foi torturado. Olha o que diz o IML em 30 de junho de 1971: "Encontramos homem se dizendo vítima de tortura por parte de policiais, apresentando pequenas cicatrizes de um centímetro de diâmetro em ambos os pulsos de cicatrização recente, de escoriação da pele, informando a vítima ter sido conseqüente da amarração dos pulsos por corda. Respostas aos quesitos: primeiro - lesão cicatricial; ao segundo - sem elementos para responder. Podendo ser resultante de algemas". E mais não disse. Assinado por Francisco Autran Nunes Filho e Antonio Fernandes de Oliveira. Havia laudo que dizia nada.

É verdade que no Ceará houve uma operação semelhante à Operação Bandeirante, chamada Operação Barra Limpa?
Desconheço. Essas informações políticas, sobre operações, eu não tenho conhecimento.

Como os presos políticos pagavam o senhor e a doutora Wanda?
Eles não pagavam, nós não cobrávamos. Me lembro de uns dois ou três que quiseram vender a casa e não admitimos. Alguns que podiam dar, davam pouca coisa. Mas não cobrávamos.

Quanto tempo de advocacia o senhor tinha em 1964?
Seis anos. Comecei a advogar em 1958.

Como o senhor sobrevivia defendendo presos políticos gratuitamente?
Nessa época, eu fazia advocacia geral com destaque para a criminal. Eu nunca fiz trabalho e tributário. A conselho do professor Eribaldo Costa, passei 13 anos fazendo advocacia geral, depois me limitei ao crime, família e sucessão. Vez por outra fazia cível.

O senhor era casado e tinha duas filhas. Nunca teve medo que acontecesse alguma coisa a eles?
Não. Eu nunca me preocupei com isso. Quando se é mais novo, tem-se menos medo das coisas. Eu também nunca transmitia nada em casa. Hoje são três filhas e um filho, o mais novo. Ele formou-se mas nunca teve sangue de advogado, é juiz de direito.

Demitri Túlio e Raimundo Madeira
da Redação Especial para O POVO

segunda-feira, 20 de julho de 2009

NÃO SE ESQUECER DE LEMBRAR


Ao longo de sua história recente a Universidade Federal de Minas Gerais tem assumido a obrigação à memória da repressão e da resistência política no Brasil como um valor que precisa estar enraizado na linguagem da vida pública nacional. Parceira da Comissão de Anistia e do Ministério da Justiça na construção e consolidação do Memorial da Anistia Política do Brasil, a UFMG se compromete com a iniciativa de organizar, preservar e divulgar a memória e o acervo histórico da repressão política no Brasil, desde 1946 até o fim da ditadura militar, em 1988. Três dimensões são exemplares do significado e da importância política do Memorial.

A primeira dimensão refere-se à natureza do acervo documental que o Memorial abriga. Existe um provérbio africano que diz o seguinte: “até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão glorificando o caçador”. Essa é a natureza e a singularidade do seu acervo: colocar, em primeiro plano, a figura da testemunha – e não da vítima. A testemunha está do lado das palavras e do passado: do lado daquilo que não se viu ou não se pode ver. O acervo do Memorial recolhe, registra, conserva e fixa essas vozes que se comprometeram e são portadoras de uma dívida a ser paga.

A segunda dimensão diz respeito ao conteúdo do acervo – a presença da memória construída a partir do vestígio; o Memorial é um espaço onde sobrevive um rastro do passado. Por ser guardião de rastros, sua tarefa é procurar manter juntas a presença do ausente e a ausência da presença.

A terceira dimensão diz respeito ao papel de permanência que o Memorial tem na esfera pública, seu papel de permanência no interior de uma cultura dominada pela fugacidade da imagem na tela e pela imaterialidade das comunicações. É a permanência do Memorial na cena pública – na rua, na praça, na passagem dos pedestres, num prédio projetado e construído com a participação do público, com debates acirrados e com forte engajamento memorialístico – que impede a fossilização monumental do projeto, sua transformação em máscara mortuária ou em espaço de estetização do terror.

Não há garantias. Apesar disso, é possível construir no Memorial algo muito próximo ao instrumento que Franz Kafka gostaria que a literatura fosse: ele dizia que um livro deve ser o machado para abrir o mar congelado dentro de nós. Precisamos do Memorial para evitar que o mar congele. Na memória congelada, o passado não é nada além de passado. A política da memória da resistência e da repressão no Brasil fala do passado, mas deve ser orientada na direção do futuro. O futuro não nos julgará pelo esquecimento, e sim pela rememoração ampla de tudo; e nos julgará também por não agirmos de acordo com essas memórias.

Ronaldo Pena - Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Heloisa Starling - Vice-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

quinta-feira, 16 de julho de 2009

30 ANOS DA ANISTIA


Em agosto vindouro, mais precisamente no dia 28, a Anistia Política de 1979 estará completando 30 anos. Para lembrar a data, uma vasta e diversificada programação desde já está encontra-se em andamento em várias cidades brasileiras, devendo prosseguir até o final de 2009. Como se sabe, a anistia de 1979 foi o marco inicial do restabelecimento entre nós do Estado Democrático de Direito, consumado com a Constituinte de 1988.

A dimensão nacional da data foi marcada no dia 28 de abril p.p., com o lançamento do Memorial da Anistia Política, em solenidade realizada no Ministério da Justiça, na qual estivemos presentes . Referido Memorial será sediado em Belo Horizonte – Minas Gerais, a cargo da Universidade Federal daquele estado com recursos da união, em prédio histórico repassado por aquela universidade ao Patrimônio Histórico da União. O Memorial será ampliado com a efetivação de Pontos de Memória em outros estados, inicialmente em cinco (05), entre os quais inclui-se o Ceará.

Sem dúvida, esses memoriais parecem irão pautar a passagem dos 30 anos da anistia, como a conquista da Lei Federal 10.559 e as leis estaduais de indenização caracterizaram as comemorações dos 20 anos. E seus significados são de grande importância. Primeiro, unificando e facilitando o acesso aos pesquisadores de todo um vasto e rico acervo que as comissões de anistia nacional, estaduais e arquivos públicos e privados reuniram ao longo desses anos. Segundo, porque, desse modo, fortalecendo a memória da nação brasileira, poderão contribuir para que as graves violações dos direitos humanos e das bases do Estado Democrático de Direito não mais se repitam em nosso país.

Os rituais de memória atendem à necessidade que os seres humanos têm de fortalecer aspectos fundamentais para a sua sobrevivência como agrupamento e como indivíduo. E a cultura gerou o hábito de concentrar esses rituais em períodos de tempo que encerram ciclos, especialmente nas décadas (10, 20, 30....anos). Muitos devem lembrar-se da forte co-memoração dos 20 anos da anistia, em 1999, da qual o Ceará teve um destacado papel. Iniciou-se ali a construção da memória do período da ditadura de 1964 em nosso estado, resultando posteriormente na criação da Associação 64 / 68 – Anistia (2000) e da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou (2002).

A CARAVANA DA ANISTIA

A Caravana da Anistia é atividade integrante do Projeto Educativo “Anistia Política: Educação para a Democracia, Cidadania e os Direitos Humanos”, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. A atividade tem como objetivo contribuir para o conhecimento, a reflexão e o debate atinente ao período histórico de repressão do Estado, bem como difundir os trabalhos desenvolvidos pela Comissão. As Caravanas são realizadas por meio de sessões especiais de julgamento de processos de ex-presos e perseguidos políticos, contando ainda com atividades culturais e campanhas de arrecadação de documentos. Até o momento a Caravana percorreu 13 Estados brasileiros, totalizando 21 Caravanas.

A Caravana da Anistia vai estar em Fortaleza nos dias 24 e 25 de setembro do ano em curso, sendo seu ponto alto o julgamento de cerca de 100 (cem) processos de cearenses de todas as profissões e classes sociais atingidos pelos atos de violência da ditadura de 1964.

Além dos membros conselheiros que integram a Comissão, que se dividirão em turmas conforme a quantidade de sessões de julgamento, também deverá está presente o Ministro da Justiça, Tarso Genro.

Parcerias

Tem sido uma marca das atividades tanto da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou como da Associação 64 / 68 – Anistia, a busca mais ampla possível de parcerias e a descentralização na consecução de suas atividades, em razão de ser a anistia e os temas a ela correlatos, uma questão de interesse geral da sociedade. Elas têm atuado mais como estimuladores, colocando-se sempre à disposição para assessorar e colaborar com quaisquer ações que promovam o debate e o aprofundamento da questão.

Coerentes com essa conduta, há de ser buscada a mais ampla e diversificada rede de parceria com entidades e instituições estatais, públicas e privadas no âmbito do Estado do Ceará (estaduais, municipais e federais), visando dar conta da variedade de ações que o tema comporta, priorizando a capital Fortaleza, em primeiro lugar, e a região metropolitana e os municípios sedes de regiões, em segundo.

Nesse espírito é que convidamos a essa entidade ou instituição a integrar uma rede de parcerias para a consecução das duas atividades citadas, os 30 anos da anistia e a Caravana da Anistia, atividades que se entrelaçam e se complementam, mas que tem seus momentos distintos.

Mário Albuquerque, presidente da Associação.

ANISTIA - ANTECEDENTES HISTÓRICOS


Segundo o dicionário Aurélio, anistia quer dizer: "1. Perdão geral 2. Jur. Ato pelo qual o poder público declara impuníveis, por motivo de utilidade social, todos quantos, até certo dia, perpetraram determinados delitos, em geral políticos, seja fazendo cessar as diligências persecutórias, seja tornando nulas e de nenhum efeito as condenações".

Nascida quase 600 anos antes de Cristo - com Solón, na Grécia -, a anistia tem sido um instrumento de que tem lançado mão toda sociedade minimamente organizada, em qualquer parte do mundo, para solucionar conflitos políticos. Seu sentido maior consiste em pacificar os povos.

No Brasil a anistia tornou-se uma tradição desde os tempos coloniais, abrangendo crimes políticos, de guerra, deserção, insubmissão, greve, imprensa, faltas disciplinares, crimes comuns e faltas funcionais.

Entre outras anistias brasileiras, da era colonial até a monarquia, podemos citar a que foi concedida em Pernambuco depois da guerra holandesa (meados do século XVII), ampla e geral, abrangendo holandeses, judeus, homens de todas as nações e religiões, negros e índios, desertores e traidores; a anistia ampla aos que desertaram do Reino em face da invasão napoleônica (um ano antes da Independência); a de 1835, durante a Regência, anistiando as pessoas envolvidas em crimes políticos cometidos nas províncias de Minas Gerais e Rio de Janeiro; em 1844, que anistiou os crimes políticos cometidos em São Paulo e Minas; a que anistiou os bispos e padres de Olinda e do Pará "incursos nos crimes comuns de desobediência ao Monarca", datada do ano de 1875.

Já na República, anistias abrangendo crimes políticos foram decretadas nos governos de Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Rodrigues Alves e Hermes da Fonseca. Mais tarde, após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas anistiou "todos os civis e militares que, direta ou indiretamente, se envolveram nos movimentos revolucionários ocorridos no país...". Em 1931, vieram mais dois decretos de anistia e em 1934 ainda outro, desta vez beneficiando "participantes do surto revolucionário verificado em São Paulo aos 9 de junho de 1932 e suas ramificações em outros Estados".

Em suas Disposições Transitórias, a Constituição de 1934 voltou a conceber anistia ampla "a todos quantos tenham cometido crimes políticos até a data de sua promulgação".

Em 1945, com o fim da segunda guerra mundial e da ditadura Vargas, a anistia política concedida foi um marco fundamental na chamada redemocratização do país naquele período.

Um ano depois, as Disposições Transitórias da nova Constituição (1946) isentaram "de culpa e pena os cidadãos considerados insubmissos ou desertores, até a data de sua promulgação e, igualmente, os trabalhadores que houvessem sofrido penas disciplinares, em consequência de greves ou dissídios de trabalho".

Já no governo de JK, depois das rebeliões de Aragarças e Jacareacanga, foi concedida, em 1956, anistia ampla e irrestrita aos rebeldes.

Durante o breve regime parlamentarista, nova anistia foi concedida (1961), beneficiando funcionários civis e militares, trabalhadores, estudantes e jornalistas. Dois anos depois, ainda no governo Jango, foram anistiados "jornalistas e demais incursos em delitos de imprensa". Foi a última anistia concedida, quando adveio o golpe militar.

Mário Albuquerque, presidente da Associação.

A ANISTIA DE 1979


A anistia política de 1979 está relacionada a duas outras datas da história recente do país, 1964 e 1968. Em primeiro de abril de 1964, um golpe militar pôs fim a um dos poucos períodos de democracia vividos pelo Brasil, iniciado em 1945. Em consequência, foi derrubado pela força o governo de João Goulart (Jango), que, como vice-presidente de Jânio Quadros, fora eleito em 1961 e assumira o governo em 1963 com a renúncia do presidente.

O golpe militar de 1964 consistiu numa grande articulação de empresários brasileiros, sócios de empresas estrangeiras instaladas em nosso país, principalmente norte-americanas; de grandes proprietários de terras (latifundiários) e de grandes empresas estrangeiras interessadas em explorar as nossas riquezas em benefício de seus países de origem. O motivo do golpe foi o propósito do governo João Goulart de implementar as chamadas "reformas de base", dentre as quais a reforma agrária; a que fortalecia a empresa genuinamente nacional; a educacional, com o fim do analfabetismo e a que previa a exploração de nossos recursos naturais em benefício do povo brasileiro. A esse projeto do governo Goulart dava-se o nome de projeto nacional-popular. Ao outro projeto, dava-se o nome de antinacional-burguês-latifundiário.

Depois de 1964, o Brasil viveu um longo período de supressão das liberdades e de desnacionalização da nossa economia. Parlamentares populares tiveram seus mandatos cassados e os direitos políticos suspensos. partidos e entidades sindicais e estudantis foram fechados arbitrariamente. Suas lideranças foram presas e processadas por tribunais militares. A tortura e os assassinados começaram a aparecer. Acordos lesivos aos interesses nacionais foram assinados principalmente com os Estados Unidos da América do Norte, abrindo nosso mercado interno às suas empresas e transferindo para o seu controle nossas principais riquezas, entre as quais as minerais. Aprofunda-se o endividamento e a dependência aos capitais externos. Na área da educação, o acordo MEC-USAID, que abria a porta do ensino público à privatização e dissolvia as organizações estudantis, teve o repúdio imediato dos estudantes. Em 1965, os militares se irritam com a eleição de governadores oposicionistas no Rio de Janeiro e Minas Gerais e põem fim às eleições diretas. Diversos setores que num primeiro momento apoiaram o golpe se voltam contra ele, entre os quais a Igreja Católica. Cresce a resistência à ditadura e o clamor pela liberdade, principalmente da parte dos estudantes. A ditadura responde com mais violência.

Em 1968 a ditadura edita mais um Ato Institucional, o de número 5 (o tristemente famoso AI-5), mergulhando o país nas trevas. As liberdades individuais e vários instrumentos jurídicos, como o habeas-corpus, são suprimidos. Os militares têm liberdade total para invadir lares e prender. O silêncio é imposto à imprensa, às artes e à cultura através da censura prévia. As últimas entidades sindicais e estudantis são invadidas e fechadas. O exercício da atividade oposicionista passa a significar risco de vida pessoal. A tortura passa a ser uma regra. Em consequência, vários setores da oposição passam à clandestinidade e iniciam a resistência armada à ditadura, que é sangrentamente destroçada, pela tortura, o assassinato e o desaparecimento de presos. Uma nova leva de brasileiros segue rumo ao exílio. É a época do chamado "milagre econômico" e da lavagem cerebral do povo brasileiro através de vastas e maciças campanhas publicitárias tipo "Brasil, ame-o ou deixe-o" e "o Brasil é o país que vai pra frente".

Mas o santo do milagre logo se revela falso e, com a crise do petróleo em 1973, a ditadura entra em declínio. Em 1974, realizam-se as primeiras eleições livres e o povo vai à forra derrotando os candidatos da ditadura ao senado em todo o país. Em 1975, surge em São Paulo o primeiro movimento pró-anistia, o Movimento Feminino pela Anistia, que logo se espalha por todo Brasil. Também em diversos países europeus proliferam movimentos defensores da anistia. O seu crescimento leva a ditadura a anunciar o propósito de realizar uma revisão dos processos e adequação de penas impostas aos presos e exilados. A ditadura perde força e o povo perde o medo. A campanha vai para as ruas. Agora não são apenas alguns setores a reclamar pela anistia, mas praticamente toda a sociedade. A ditadura cede e envia em 1979 ao Congresso Nacional um projeto de anistia que não atende plenamente ao que todos desejam, pois não é nem ampla nem irrestrita e assegura a impunidade aos torturadores, mas possibilita a libertação dos presos, a volta dos exilados e o retorno à atividade política dos que tiveram seus mandatos cassados. Em 18 de agosto, o projeto é aprovado e, em 28 do mesmo mês, sancionado. Com a anistia de 1979, o Brasil dá os primeiros passos rumo ao reencontro com a liberdade e a democracia.

Mário Albuquerque, presidente da Associação.